[02|1001] Sílvia Gaspar

10:04 Ana Flávia Sousa 15 Comments


O balé sempre foi uma questão na minha vida: nunca fiz, sempre admirei, sempre amei e sempre lamentei não ter feito. Não faço ideia de como começou esse fascínio pela dança clássica, talvez seja por causa das caixinhas de música, mas é muito provável que tenha sido com o filme Soldadinho de Chumbo, criança corrompida pela Disney que fui. Os tutus e sapatilhas de ponta estavam nos meus sonhos, mas nem mesmo nunca consegui fazer um alongamento correto, muito menos cheguei perto de uma abertura, mas sempre gostei de pronunciar Plié. 

Quando menor, até entrei pra academia de dança que oferecia o mais próximo disso lá no interior, mas de balé mesmo, não tinha nem o andado. Acho que a gente pode até ter aprendido primeira, segunda, terceira, quarta e quinta posição, mas acontece que as aulas se desvirtuaram e acabaram se transformando num grupo de dança de axé. Sim, axé. Mas eu adorava, porque era o única coisa relacionada à dança que estava ao meu alcance e minhas melhores amigas também participavam, acabou sendo uma experiência nossa, entende? Não faz muito tempo, uma amiga da faculdade me levou para uma aula experimental de balé, amei mas fiquei uma semana sem conseguir me mexer direito, tanta dor que eu sentia. Acabou que me mudei de perto da escola e deixei de novo essa vontade pra trás. Desde criança, sempre fui a mais alta e desajeitada da turma e a tentativa de ser dançarina não consertou muita coisa, sigo desequilibrada, sem noção de espaço e estabanada ao extremo e isso me deixa muito frustrada as vezes, porque queria muito ter sido delicada, miúda, leve. Mas vezenquando ainda namoro aulas de balé pra adultos iniciantes e um dia, tenho certeza que vou conseguir conciliar com a vida de adulta e (re)começar a sonhar. 

Estou falando tudo isso porque na última quarta-feira, Gabriel me levou a uma apresentação de balé pela primeira vez, e não foi nada menos que noite de estreia do Grupo Corpo, no Grande Teatro do Palácio das Artes. O Grupo está completando 40 anos e, apresentou pela primeira vez as novas coreografias: Suíte Branca, com música de Samuel Rosa e Dança Sinfônica, com trilha assinada por Marco Antônio Guimarães. Não sei vocês, mas apesar de ter estudado um pouco de arte, eu não sou muito boa em interpretá-la. A abertura foi com Suíte Branca e achei uma dança mais moderninha, até mesmo por causa da música de Samuel que tem uma pegada mais de rock. E já nessa coreografia, o que mais me chamou atenção foi uma bailarina pequena e miúda como eu gostaria de ter sido, que me lembrou minha antiga chefe, Natália, que foi bailarina clássica por muitos anos antes de se formar em arquitetura.

A bailarina que me lembrava a Natália fisicamente prendeu minha atenção durante todo o espetáculo, mas principalmente na coreografia de Dança Sinfônica, que na minha  humilde interpretação, parecia ser de dor, de morte até e proteção também. A moça fez participações incríveis e em algumas ocasiões, a gente a via pequena no colo de um dos bailarinos, por muito tempo. Aquilo mexeu comigo porque interpretei assim, como proteção, medo e dor, até que ela e o seu colega, brilhantemente fecharam o espetáculo com uma cena linda, aonde ela vinha dançando-correndo de um lado do palco direto para o colo dele, no momento exato da última nota musical, perfeito. Que dia maravilhoso para estar ali, assistindo a tudo isso. 

Saí do teatro maravilhada, apaixonada ainda mais por esta arte e logo tratei de mandar uma mensagem para minha ex chefe, dizendo que a imaginei lá e que surpresa boa receber de volta a notícia de que ela em breve voltará a dançar. Chegando em casa, fui vasculhar este mundo maravilhoso que é a internet em busca de maiores informações do grupo, para saber mais sobre aquela bailarina que agora tem nome, descobri: Sílvia Gaspar, bailarina clássica mais antiga do grupo, casada com um bailarino também de lá e mãe da Júlia e da Joana.

Júlia tem dez anos e Joana com pouco tempo de vida se descobriu com câncer. Sílvia foi tratá-la em São Paulo e assim, teve uma licença do grupo que deu todo o apoio que precisavam, mas infelizmente, ano passado Joana foi estrelar o céu. A pequena bailarina não sabia se voltaria a dançar, mas voltou um mês após a perda da pequena, o grupo havia dito que precisava dela, mas Sílvia diz que o grupo não fez isso por eles, fez isso por ela. Ao ler sobre ela e a coreografia, soube que o coreógrafo de Dança Sinfônica, Rodrigo Pederneiras, faz diversas homenagens a pessoas que de alguma maneira passaram pela companhia. Ele não fala, mas é possível ver que a na coreografia há um pouco de Joana, que viveu muito intensamente seu primeiro e único ano de vida dentro do grupo. 

Aí, eu entendi aquilo que senti durante o espetáculo, o porquê de eu enxergar Sílvia miúda e carente de proteção, o porquê da tristeza interpretada e até, da raiva com situações incontroláveis e sacanas da vida. Eu vi Sílvia e a conheci como bailarina, mas admirei como pessoa e mãe. Ela não me conheceu, mas não precisei trocar uma palavra para que ela mudasse algo dentro de mim, apenas observei tudo o que ela tinha pra passar, pra chorar, pra sentir através da dança que eu sempre amei. Eu conheci Sílvia, a bailarina do Grupo Corpo, que usará a dança e o amor para superar dores insuperáveis e para manter viva nela e em todo mundo que a assistir, a pequena Joana, que renascerá em cada novo passo e sorrirá em cada rodopio.



BEDA 12|31

15 comentários:

  1. Terminei esse texto com umas lágrimas bem sentidas riscando minha face. É daqueles choque de realidade que dá, quando a gente percebe que as vezes (quase todas as vezes) reclama de coisas pequenas demais. O espetáculo deve ter sido incrível e conhecer a história por trás da dança deve ter sido um choque imenso. Eu sempre fico chocada com "baseados em fatos reais" e sempre me abre uma ferida imensa no peito, quando penso que aconteceu de verdade. Sei lá, tenho a eterna vontade de guardar as pessoas em potinhos e acho que ninguém merece o sofrimento.

    PS: também quis ser bailarina.
    PPS: também sou desastrada.
    PPPS: pé de bailarina, pé de palhaço. pé de bailarina, pé de palhaço.


    Lóve you você ♥

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    1. Não é Fê? Fiquei assim quando li a história dela e demorei dias até digerir e conseguir escrever sobre.

      pss: a gente se parece muito. <3

      Loviu. ♥

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  2. Nana, que tanta beleza em suas palavras. Só sente algo dessa forma quem tem o coração leve e muito sensível. A dança tem o poder de mexer com a gente, seja observando ou dançando. A arte de forma geral mobiliza a alma humana sem explicação nenhuma.
    Saber dessa histórias por trás do espetáculo é demais de lindo e de apertar mesmo o peito. Quando fazia pós conheci a história de uma outra bailarina, e vou procurar pra te falar, Uma história muito bonita também.

    Que a dança repercuta em você, meu bem, que já a sente tão presente e tão em você.
    Beijo.

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    1. Você sempre vem com esses comentários fofos Magadinha, que mais parece um abraço. <3

      Me conta sim, quero conhecer.

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  3. Oi Ana!
    Nossa, adorei muito seu texto. Também tenho muito esse hábito de "conhecer" pessoas que eu não conheço de fato, e ficar ali admirando, pensando nelas, e levando como inspiração pra vida.

    Acho o balé uma das coisas mais lindas do mundo, e um dos meus maiores arrependimentos foi ter parado de dançar. Fiz aula por 10 anos, desde beeeem pequena, mas tive que parar quando fui fazer a transição pra ponta. Tenho problema nos tendões e ali com 13, 14 anos, o ritmo das aulas já era muito pesado, e eu me machucava muito. Pra continuar eu tinha mesmo que querer algo sério com aquilo, viajar pra festivais e tal, além de aceitar que teria meu corpo comprometido: provavelmente teria que fazer fisioterapia e operar algum dia. Achei melhor sair (também sou alta e desengonçada, e sabia que não era uma boa bailarina, só gostava muito), mas ainda não superei. Sempre digo que vou um dia atrás de uma turma de adultos e voltar só pela graça. É uma delícia. E apresentações de balé SEMPRE me emocionam muito, sejam essas grandiosas, ou até apresentação de escola mesmo, com aquelas menininhas fofas que só ficam pulando de bracinho pra cima. Choro sempre. Acho que não entendo nada, mas certas coisas na arte só de sentir já basta, né?

    Enfim, não desista do seu sonho! <3
    beijos!

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    1. Ai que comentário mais lindo, Anna <3
      As pessoas as vezes fazem uma diferença na vida da gente e nem imagina né?

      Não sabia que tinha feito balé, que demais!
      Eu queria ter feito ao menos assim, sabe? Por um tempo. Talvez eu não gostasse, mas não tentar é sempre frustrante.

      Pode deixar que não desisto não.
      Beijos <33

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  4. Impossível não se emocionar com tudo que você descreveu de Sílvia e Joana. Comecei o texto querendo comentar assim (Axé? Tipo expectativa versus realidade), mas aí eu fui descendo cada linha, e meu coração foi murchando, definhando e acabei de ler com uma cara de quem não sabe bem o que dizer. Acho que essa história vale uma oração - pra quem é de oração; uma reza, pra quem é de reza; e boas energias pra todo mundo que deseja o bem pro outro. Joana vai renascer todo dia sim. E espero que cada passo diminua, pelo menos um pedaço da dor que a gente não faz ideia do tamanho que tem.

    Hoje você conseguiu quebrar minhas duas pernas, de uma vez, sem que eu precisasse estar em pé Aninha :(((

    Boa quarta, beijo!

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    1. Vale sim Rê, vale um pensamento bom até. É bonito de tão triste.

      Um beijo. <3

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  5. Simplesmente sem palavras! Mas com uma emoção única. Quem imaginaria que por trás de uma dança estariam uma história dessas?! Nana você é o ser com o melhor coração que eu já conheci no mundo, você é capaz de sentir a dor dos outros, você é capaz de tomar aquele sofrimento para você! E isso só acontece com pessoas incríveis! A cada dia te admiro mais e mais!

    Te amo amiga! Muito orgulhosa de ter você na minha vida <3

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    1. Ai Babi, não fala assim que eu choro. hahahaha
      Eu que sou muito grata por ter VOCÊS na minha vida. Te amo ♥

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  6. Amiga, que texto lindo :')
    Eu nunca pensei em fazer balé, quando era criança. E eu sempre foi mega desajeitada pra dançar. Mas hoje eu penso que se, talvez, tivesse feito algo assim na infância, não seria TÃO desajeitada hoje, né?
    Confesso que acho a ideia do balé lindíssima, mas não tenho saco (?). Morro de tédio em apresentações de balé, de ainda mais se for balé clássico, hahaha.
    Mesmo assim, acho deslumbrante a figura de uma bailarina, sabe? Com aquele corpo pequeno e esguio, as sapatilhas de ponta e o tutu, acho lindo demais *_*
    E: por favor, nunca é tarde para realizar um sonho, já quero ouvir falar da Nana Bailarina e ler posts sobre a experiência, hein?

    Beijos!

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    1. Dá ao menos pra fantasiar de bailarina né? haha
      Então, minha frustração é pensar que o desajeito teria conserto naquela época. Mas vai saber, pode ser que eu teria odiado e hoje não me encantasse tanto. Vai saber.
      Mas Helena quando nascer vai entrar pro balé, pra natação, pra ginástica, que seja, pra ela não sofrer com o sedentarismo que sofro.
      Pode deixar, vou tentar e terá post sobre. <3
      Beijos. ♥

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  7. Eu acho balé uma coisa linda e tão delicada... tenho uma magoazinha por que meus pais nunca me botaram pra dançar =( nunca assisti a uma apresentação de balé, um dia quero ver um autêntico Lago dos Cisnes. =) Beijos!

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  8. Querida Ana Flávia, você está de parabéns. Conheço Silvia Gaspar desde wue ainda era uma menina e dançávamos juntas em Sao Paulo. E seu caráter sempre foi impressionante! Obrigada por sua homenagem a essa pessoa tão especial! Isso faz de ti também alguém especial... pois pode ler o que a aura de Silvia traz consigo! Todos soffemos muito com sua história... mas ninguém sofreu mais do que ela mesma! E ainda sofre!
    Obrigada, querida, pelo respeito e pela beleza de seu texto! Emcionada!
    Grande abraço.
    Cassia Lopes

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:)