bailarina, saudade de chumbo.

12:30 Ana Flávia Sousa 15 Comments


Sapatilhas, meia fina e um laço bem feito, perfeito. Cartilhas de lembranças esquecidas, não vividas. Rodopios de sonhos numa caixa rosê, de colo de vó,  de cheiro de infância de coque no cabelo, vai ser. Uma, duas aulas e desistência, impaciência infantil. Depois, moça polida, crescida e vontade juvenil, de ponta do pé, de pliê de balé, de riso solto feito sopro. Vestida de tule, saia rodada, pra girar com o mundo, balançar com o vento, feito par - mas é essa saudade feito chumbo, da criança leve, filha de pluma, dançarina no ar  - no lugar. 

Da bailarina que nunca foi, da sutileza que já se foi, da dança bonita, menina bordada de renda, de flor que voa, sabe qual é? Do laço de fita assoprado no ar, poesia infinita. É essa falta Seu Soldado, de chumbo, que prende ao chão, feito pedra, é ela que rouba essa leveza toda e impede de sair bailando feito brisa pela janela, borboleta a voar.  Ah Seu Soldado, esse chumbo que prende ao chão, toma como teu e fica firme no coração, no colchão, deixa que a bailarina assopre uma oração, canção de ficar juntinho pra cobrir a saudade de carinho e se perder no teu peito, doce de tanta afeição. Redenção. Condição é fazer cafuné, bailarina passos de balé pro soldado de olhos de mar, de beijos de chuva, pra cuidar da leveza que é amar. Flutuar de amor menina, só assim que há de ser, bailarina.




saudade de chumbo é essa 
do bolinho de fubá da vó,
de chuva,
de céu

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Preto e branco,

16:51 Ana Flávia Sousa 3 Comments

A alma nasceu do passado, impressa na película de um filme mudo e em preto e branco dos anos vinte, como se carregasse nos ombros o peso da idade avançada, paciência curta e urgência em viver. Uma maturidade precoce, as vezes aguçada demais, as vezes tímida demais, as vezes não servindo de nada. Ah, mas se a vida fosse mesmo um filme, eu seria uma personagem francesa, poetiza talvez, dama da corte, luvas e véu, quem sabe ou senão, dona daquele bistrô vintage da esquina, de jardineiras na entrada e mesinhas ao redor. Prefiro. Moça européia de namorico com o tal do rapaz da mesa do canto da janela, das quatro da tarde, do pedido do chocolate quente com chantilly, cereja no topo. Preto e branco, só com coração vermelho, bem vivo, que é pra namorar o moço num piquenique de primavera à tardezinha lá no gramado daquela torre do Eiffel, babel. Papel pra eu escrever uns versinhos e colocar na aba do chapéu, letrinhas bordadas e amor impresso no céu. Preto e branco, mas um punhado de cores quando o moço vem com o sorriso manso e sussurros, faz da alma velha uma criança, de olhos de glitter, chuvisco no ar. Preto e branco, de valores bem antigos, preservados, tesouros guardados na roda gigante do quintal. Preto e branco e mudo, silêncio, shhhhhh. E vezenquando a voz do moço, um boa noite de levinho, então, canção de ninar. 




Um tema, um desafio, um escrito.

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Letra de flor

10:41 Ana Flávia Sousa 13 Comments


Peguei um livro, desses inacabados, esquecidos num canto qualquer do armário e me deparei com a tua caligrafia miúda “Para a menina bonita bordada de flor” e só, nem sequer inicial do teu nome. Folheei pra ver quão longe eu teria ido e vi, manchando as páginas, uma flor seca, gordinha de saudade.
Aquela flor da cerejeira que caiu molhada de orvalho sobre meu colo na tarde de da nossa despedida lá na casa do campo. A cerejeira chorava suas flores enquanto eu te via já bem distante, indo embora, e ao mesmo tempo ficava ainda tão firme no meu peito, mantendo morada no meu coração.
Como eu podia te amar tanto? Como eu podia te querer tanto? Fiquei ali, te vendo partir. Meus olhos secos, como quem não se importa. A flor, guardei comigo. E estava ali, perdida naquelas linhas que tu me deu num verão sereno, naquelas linhas com sabor de café da manhã.
E num dia frio como hoje, diferente de tudo de mais caloroso daquele dia de estação de sol, a memória me trai e te tira de dentro do armário empoeirado de lembranças.  Como se num momento de distração você se achasse no direito de mostrar que a cerejeira continua no mesmo lugar e que a sombra dela, ainda é pura ternura.  Mas você quis levar seu coração e me deixar em troca essas linhas, desse livro que comprou por comprar, só pra deixar uma dedicatória de letra miúda e me chamar de sua flor. 

contando um conto com a maria bonita, bonita mariaMaria Fernanda.). 

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