no vento,
'Palavras, palavras
Palavras, palavras
Palavras ao vento'
Cássia Eller
O céu tem estado bem nublado, o clima frio como gosto, a chuva caindo fazendo graça e exalando cheiro de terra molhada, tudo propiciando produtividade. Mas ando arrastada pelo caminho já decorado, posso ir de olhos fechados ou com a leitura em mãos, com um sexto sentido avisando onde há perigo, se devo parar ou avançar, a verdade é que tenho vagado pelas ruas. E as situações cada vez mais estagnadas no tempo, sem soluções previstas e penduradas no prego, pendentes, e eu aqui in stand by, preocupada demais pra conseguir qualquer sucesso, nem escritos, nem desenhos. A chuva continua caindo, linda, gostosa, refrescante e junto dela podia cair do céu também umas gotas de criatividade direto na minha alma, pra fazer algo que preste. Preciso dela aqui, que há mais de um mês anda abandonado, quase de portas fechadas esse meu restaurante. Lá no Atelier, debruçada na prancheta e em meio a lápis multicoloridos, para fazer as curvas aparecerem no manteiga, belas, bem feitas e adequadas. O mundo conspirando a favor, mas seu talento não ajuda: não evolui. Dai desisto. Na verdade, devo desistir umas mil vezes por dia, acordo desistindo de levantar e por aí vai, tenho que parar com isso, repito tentando gravar na parte mais importante do cérebro, mas desisto porque esqueço tudo mesmo.
Durante o percurso diário decorado escrevo mil textos e projeto as mais belas edificações, mas antes de chegar ao meu destino já não me lembro de nada. Escrevo por todo o caminho na minha mente-máquina-de-escrever, com movimentos firmes nas teclas mecânicas, escrevo sobre o ipê de flores roxas do boulervard da avenida principal, da irmã mais nova e a saudade enorme, dos inúmeros dias maravilhosos ao lado do namorado, me declaro mil vezes em um passo só. Escrevo sobre o café-livraria que desperta meus sentidos, e a vontade que tenho de me sentar e escrever lá dentro, tomando aquele chocolate gelado. São muitos escritos no caminho, palavras datilografadas com cuidado em segundos, mas na pressa para chegar no horário deixo os papéis impressos da memória caírem nas esquinas, chego no meu destino sem arquivo mental algum, um descuido só. Em frente ao computador, o ócio grita autoridade. Abro uma vez a caixa de texto, e em seguida a fecho. Repito a ação várias vezes, tentando me recordar da metade das frases escritas a partir do momento que tranquei a porta de casa, nada: já era. São as palavras minhas, aos ventos da Cássia. Palavras, ao vento.
Tentei tirar a ferrugem das letras, quem sabe na próxima?!
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:)